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MANUEL RESENDE
( Portugal )
Manuel Resende (Porto, 9 de Março de 1948 - Almada, 29 de janeiro de 2020) foi um jornalista, poeta e tradutor português.
Formado em Engenharia mas que não exerceu. Do pai, igualmente engenheiro, herdou o gosto pela poesia e as ideias de esquerda, que viriam a explodir, como luz em terra obscura, com o Maio de 68, que acompanhou, informado, à distância.
As suas últimas preocupações foram a "crise ambiental, a inteligência artificial, a robotização da vida, o futuro".
A sua poesia é "anarquista na forma, surrealista no conteúdo, a sua demanda é a da palavra certa, a que possa ter uma ressonância no mundo".
Para Graça Fonseca, Ministra da Cultura na altura do funeral dele, a obra poética de Manuel Resende, "tão curta quanto intensa, é herdeira e próxima das tradições literárias surrealistas, mas a sua originalidade nunca se deixou limitar por movimentos e grupos". "Os seus poemas demonstram um esforço de movimento e, também, de aprendizagem e abertura às influências porque, como o próprio dizia, 'Aceito todas as influências. Afirmo-me com o que recebo'", observa.
Como tradutor para a língua portuguesa foi um dos grandes especialistas em grego moderno.
Trabalhou seis anos no Jornal de Notícias.
Trabalhou no Conselho de Ministros da União Europeia como Tradutor/Revisor de 1985 até 2003.
Morreu no Hospital da Luz, em Lisboa, na sequência de um acidente vascular cerebral.
Obras:
Publicou três livros, a que juntou as experiências poéticas que atribuiu a um heterónimo (Mika Ahtisaari, nascido em 1960, em Tampere, na Finlândia) e três inéditos e esparsos.
POR EXEMPLO
Por exemplo: os cheiros não têm nome
– Nem as nossas penas e alegrias.
Como separar o cheiro da alfazema, da urze, do beijo, dos corpos,
Da alfazema, da urze, do beijo, dos corpos?
As palavras cobriram com o seu mar
A maior parte da terra
E lá dentro já só vivem peixes mudos
E plantas meio descoradas,
Mas
Ameaçadoras
Ou aduladoras
Embateram impotentes
Contra as falésias onde
Começa o reino dos cheiros e da emoção.
Como dizer
O cheiro da alfazema, da urze,
Dos beijos ou dos corpos,
Ou disso tudo junto?
Só estando lá.
TAMBÉM O QUE É ETERNO
Também o que é eterno morre um dia.
Eu tusso e sinto a dor que a tosse traz;
O doutor quer por força a ecografia,
Mas eu não estou pra tantas precisões.
Eu rio à morte com um riso largo:
Morrer é tão banal, tão tem que ser!
Disto ou daquilo, que me importa a mim?
Mas, ó horror, com fotos, não, nem documentos!
A tanta exactidão mata o mistério.
O pH, o índice quarenta...
Não quero as pulsações, os eritrócitos,
O temeroso alzaimer, ou o cancro,
Nem sequer o tão raro, do coração.
Ver o pulmão, o peito aberto, o coração,
A palpitar a cores no computador?
Eu morro, eu morro, não se preocupem,
Mas sem saber, de gripe, ou duma coisa,
Ou doutra coisa.
(O Mundo Clamoroso, Ainda)
NA AUTO-ESTRADA
Ainda posso perceber
Esses miúdos nos viadutos
Que atiram pedras aos carros da auto-estrada.
É um gesto eficaz
Que matou alguns caixeiros-viajantes,
E até famílias inteiras,
É pura malvadez
E o mundo precisa de pureza.
Mas como se justificam esse que nos acenam
Com alegria ao passarmos?
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Página publicada em abril de 2022
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